Infância

Tenho medo de escuro e só passa quando vou para o quarto dos meus pais. Chego devagarinho para não acordar eles. Mamãe parece que não sente quando deito na beiradinha e passo o braço em volta da cintura dela para não cair da cama. No dia seguinte sempre acordo na minha. Só minha avó me compreende quando digo que vejo fantasmas e é por isso que fico com medo. Quando está aqui em casa, ela deixa eu dormir com ela.

Adoro tomar banho de bacia, ou de banheira, batendo os pés e as mãos, fingindo que estou nadando. É divertido, mas chão do banheiro molhado faz os adultos ficarem bravos. Às vezes quero dormir sem banho, porque minhas pernas já não me sustentam de tanto que correram, subiram e desceram a ladeira no jogo de queimada.

Eu sou menina, tudo bem, mas o que é que tem, brincar de pular carniça, jogar bola, soltar pipa, descer de carrinho rolimã, ou jogar totó? Que que tem? Gosto destas brincadeiras e também de esconde-esconde, subir nas árvores, sentar num dos galhos e olhar tudo de cima para baixo, pensando em como fazer para descer sem acabar esparramada no chão igual fruta madura. Chegar em casa ralada e roxa tem consequências que variam com o humor de mamãe.

Pior quando é de noite, bem tarde, eu já deitada na cama, fico na dúvida se tinha lição de casa para fazer e eu me esqueci. Isso não é nada bom.

Gosto de ser criança. Só não gosto quando me mandam estudar na hora da brincadeira. E no dia de tomar remédio de verme, ou o óleo de fígado de bacalhau para não ter anemia. Penso em ficar logo adulta para não passar mais por este castigo.

E vou contar um segredo: gosto um pouco de ficar doente. Todo mundo me trata com carinho, mamãe faz sopa, suco, traz fruta, e eu fico bem quentinha, deitada na cama até melhorar. Com febre alta, não, porque a gente sente muito frio e sonha coisa ruim, aí estraga a doença.

Ser criança é muito bom, não é? Tanto que vocês, adultos, quando se lembram da infância, sorriem com olhos tristes de saudade.