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Para Pixinguinha e seus Oito Batutas



“Che. Los negritos se van a morir de frio”, disse assustado o uruguaio, olhando para aquela cena aterradora. Já quase entardecia e o sol que brilhara o dia todo apenas amornava a superfície da terra. Quanto mais fundo, mais gelado e úmido ia ficando o solo. Era uma sensação estranha, a dos rapazes que eram observados pelos gringos, uma sensação térmica estranha. Cobertos, uns mais, outros menos, alguns até as coxas, outros até a barriga e dois mais corajosos, até o pescoço, sentiam a cabeça quente e os pés gelados, quase como se o corpo de cada um deles se dividisse em dois. Um deles com o humor que lhe restava soltou a piada: - Caras vocês sabem que para os estatísticos se você enfiar a cabeça no forno, ligar ele e ao mesmo tempo colocar os pés dentro do congelador você não morre? - Por quê? – perguntou um ainda com curiosidade suficiente. - Não sabe? Porque mantém a temperatura do corpo constante. - Ninguém riu. Sentiram-se também divididos, mas de outra forma, Os Oito Batutas na noite anterior, a cabeça pensando uma coisa e o corpo outra sem saber o que fazer depois do calote. Aquele grupo extraordinário de músicos, aqueles oito que quando tocavam eram como um só instrumento, uma amálgama de sopro e corda, de percussão e melodia, de músico branco com músico com negro, formando uma coisa só, agora fora da música, do seu habitat natural, se dividia com a situação - uns querendo ir embora sem receber, tinham dinheiro suficiente para todos voltarem, e outros exigindo que a prefeitura da cidade arcasse com as despesas do cachê.

Nada soava fora, nada respirava fora, nada se sentia fora dessa grande borbulha de som que construíam enquanto tocavam, essa massa quente de som que ia tomando a primeira fila, a segunda, engolindo as galerias, se filtrando pelas cortinas atrás das portas de saída, o som saindo daquela sala se espalhando pela cidadezinha uruguaia, se espelhando pelos pampas, pelo mundo, chegando de volta até os ouvidos das mães, pais, namoradas, mulheres, filhos dos músicos que no Rio de Janeiro aguardavam sua volta. Estava trancada. Pensou em gritar para as janelas fechadas, em busca de uma alma que se compadecesse da situação. Não foi preciso. Um carro grande de um verde brilhante chegou até onde ele estava. De lá saltou um senhor arrumadíssimo. Era o prefeito com uma voz esganiçada que Pixinguinha achou igualzinha à voz do Noel, disse: - Les damos la plata negrón de mierda! Y que se vayan todos de aquí. ✏:

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