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Valsa Redonda


Eles dois sabiam, mais ninguém. Segredaram, não por egoísmo, mas por medo que ele não viesse mais.

Era sempre à noite, quando quase tudo dormia. Zé Trovão não, não dormia nunca, diziam na verdade que nunca estava acordado, vivia num estado que as pessoas não compreendiam, mas ele não atrapalharia. O louco da cidade, o escolhido para levar as loucuras que cada um tinha. As carregava todas, por isso era bem cuidado.

Naquela noite os dois pensaram em não ir, quase pela primeira vez não repetiram o passeio. Era uma madrugada gelada, a mais fria em muitos anos. Mas não desanimaram, não podiam deixar de encontrá-lo. Esperaram as crianças dormirem e o apito do último trem do dia que já não passava mais ali, mas que de uma cidade vizinha se ouvia.

Saíram da casa em direção ao prédio da antiga estação ferroviária desativada, os dois a olharam sem pena, mas pensaram juntos que parecia ainda esperar a chegada de algum trem. Sentaram no banco da praça que ficava logo depois da estação, se abraçaram e esperaram. Ele sempre vinha, toda noite, e aquela vez ia ser bonito vê-lo surgir no meio da névoa. Um galo cantou fora de hora e um vento morno os aqueceu um pouco.

Como toda noite de todos os dias de suas vidas naquela cidade, muito lentamente, começaram a vê-lo aparecer no vazio redondo que havia num canto da praça bem à frente do banco onde estavam. Primeiro as pedras uma a uma se superpondo, uns tijolos arredondados que formaram circularmente a base, depois um muro, depois as ripas madeiras se entrelaçando, depois o telhado. Por último surgiu um degrau e a construção se deteve. Era o chamado dele. Levantaram os dois de braço dado e pisaram os pés ali. Como sempre, mas causando-lhes a mesma surpresa, o mesmo encanto, foram surgindo os outros; e em cada degrau que se formava iam subindo. Cinco degraus. Chegaram lá em cima.

Ouviram a mesma música, uma música invisível, uma música que surgia ao mesmo tempo nos ouvidos de um e de outro. Sempre a mesma coisa, sempre a mesma beleza. Começaram, então, a dançar uma valsa muito lenta no chão liso, redondo e brilhante do coreto."

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