top of page

Vira pro lado e dorme



Meu irmão mais novo é aquela pessoa do bem, que todos querem como amigo. Pai amoroso, filho atento, irmão presente, empresário bem sucedido, amado pelos funcionários e, acreditem, de esquerda. Sua mulher, mãe de seus três filhos, é apaixonada por ele. Culta, talentosa, independente, bonita. Mulherão. Se conheceram em uma viagem, ela rindo da bota dele, ele zoando com o chapéu dela. Estão juntos há mais de quinze anos.

— Ela vai me deixar, irmão. É uma frase recorrente nos últimos tempos.

Começou com a pandemia e o isolamento. Ela não sai de casa. Ele também não. As crianças se mantêm por ali. Quase toda madrugada, acorda suado, aos berros, porque no pesadelo ela o abandona. Ele está na rua, nu e de máscara. Ela acorda, abraça o cara, fica de conchinha, mas o sono não vem. Vira pro lado, pro outro, e não dorme. Antes dormia.

— Ela vai me deixar, irmão. Fala no amanhecer, entardecer, anoitecer, emputecer.

—Porra, cara, larga disto. Ela te ama. Digo por mensagem, no celular até o vivo e a cores.

A coisa complicou quando ele começou a me pedir conselhos. Minha paciência já estava nos joelhos. O caso estava ficando sério.

— O que faço, irmão? Eu, solteiro convicto, feio, baixinho, duro a maior parte do tempo, como vou aconselhar você, Adonis?

Pensei em livros. Leu vários. Tudo inútil. Bola fora. Sugeri psicanálise. Começou a fazer terapia escondido da mulher e claro, deu erro, quando ela pegou o cara no banheiro, conversando com a terapeuta. Tchau Freud, Lacan e o escambau.

— Cunhada, você não acha que seu marido está meio neurótico?

— Ele está é doido, cunhado, passa o tempo dizendo que eu vou deixá-lo. Deixá-lo por que? Só se for por causa das maluquices. Nem sexo quer fazer mais. E desligou o celular.

Preocupado, conversei com a namorada. Olhando nos meus olhos, foi certeira:

— Leva na macumba. E lá fomos nós, no bairro de Oswaldo Cruz, longe pra cacete, até para quem mora no bairro, tudo é longe. No ambiente esfumaçado, o pai de santo conversou com ele sozinho por mais de uma hora, deu uma lista de obrigações para fazer e cobrou bacana.

—Tenho que colocar um bode vivo na encruzilhada, na sexta feira, à meia-noite. O Pai Justino diz que se eu fizer isto, ela não me deixa. Falou na maior naturalidade e convicção.

Já arrependido do conselho, voltei pra casa, muito puto da cara. Uma semana, nada de notícias. Duas semanas, nada de irmão. Liguei e perguntei se o despacho tinha dado certo.

— Deu tudo errado, irmão. A mulher me deixou, levou as crianças, continuo sem dormir, mas o bode, ah, este não me larga.

Crônica do Livro

Não Olhes para Trás

15 visualizações

Posts Relacionados

Ver tudo

Perdidos

bottom of page