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Bonito


A vida com ele nunca foi muito fácil. Fora as manias estranhas, como misturar direto em uma garrafa de gim inglês, o vermute mais ordinário, ter um carro importado, na cor amarela, com teto solar e andar com ele aberto até em dias de chuva, era obcecado pela Motel Bali, um tremendo pé de chinelo, a margem da rodovia.


Apesar de andar de meias com chinelo em qualquer ambiente, não fazer bainhas nas calças e varrer as ruas, ler livros de traz pra frente e cantar em caraoquê, nos finais de semana, era a pessoa mais generosa que conheci. O melhor amante que qualquer mulher, desatenta a estas esquisitices, poderia sonhar. Tinha um cheiro bom, sempre de limpo, de bergamota, sorriso fácil e gargalhada sonora.


Os outros, para ele, eram só os outros. Olhava para as pessoas com tolerância e uma sutil condescendência. Muitas vezes o considerei um debochado, um excêntrico, que com certeza tinha feito fortuna de forma escusa. Nada disto. Era rico por trabalho e inteligência.


A matéria de hoje no jornal, anunciando a morte desta criatura, tirou meu ar, varreu meu chão. Uma foto antiga, que não lhe fazia jus, mostrava o empresário no auge de seus 50 anos. Parecia um homem feio, o que não era verdade. Era lindo. O câncer ganhou mais uma vez, só que antes, muitas vezes, ele chinelou a vida.




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